quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Bagagem (1a edição) I


Como todos sabem, essa é a primeira edição de Bagagem (1976), o livro de estreia da Adélia. Gostaria de me sentir capaz de fazer a apresentação dessa obra, mas não é o caso... E como tenho o privilégio de ter em minhas mãos a primeira edição do livro, deixo com vocês a apresentação feita por Olga Savary, poeta tão ilustre quanto Adélia mas que, infelizmente, não recebe o mérito devido:

POESIA: ESSÊNCIA DE VIDA
Acho que BAGAGEM, livro de estréia da mineira Adélia Prado, vai dar o que falar. Há muito não aparece poesia tão vigorosa, telúrica, intensa, com tanta garra e força primitiva, tão seiva, sangue, suor e sensualidade.
Conheço e acompanho a poesia de Adélia desde 1971, do Suplemento Literário Diadorim, de Divinípolis, cujo primeiro número saiu em novembro daquele ano, editadopelo escritor Lázaro Barreto. Depois, no Suplemento Literário de Minas Gerais e no da Tribuna da Imprensa.
Adélia confessa suas duas grandes paixões: a Bíblia, que lhe deu "o sacral, o mítico, o místico, a estória, a poesia e a introdução numa atmosfera prenhe das coisas que eu queria saber, de coisas que eu não sabia e das quais julgava lembrar-me (que eu sabia, portanto)" e Guimarães Rosa, que ela diz ser sua bíblia literária e o artista mais completo que encontrou: 
as escrituras de Deus.
as escrituras de João.
Tudo é Bíblia. Tudo é Grande Sertão

 Sua maneira de escrever, espontânea e às vezes contundente, cria uma tensão poética mais ligada aos seus pensamentos do que à forma. O que falta a essa poesia em termos de um "certo" polimento estrutural, sobra em vigor e originalidade.
Não é à toa que Carlos Drummond de Andrade lhe dedicou meia crônica em outubro de 1975, dizendo: "Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo:
 Uma ocasião meu pai pintou a casa
toda de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa
como ele mesmo dizia:
constantemente amanhecendo.

 "Nascida à beira-da-linha, o trem-de-ferro, para ela, 'atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou a minha vida, virou só sentimento'. E diz, entre outras: 'Eu gosto é de trem-de-ferro e de liberdade'. Eu peço a Deus alegria pra beber vinho ou café, eu peço a Deus paciência pra por meu vestido novo e ficar na porta da livraria, oferecendo meu livro de versos, que pra uns é flor de trigo, pra outros nem comida é. Em política, Adélia diz que 'já perdeu a inocência para os partidos': 'Sou do partido do homem'. E sai no meio do discurso. (...) Adélia já viu a Poesia, ou Deus, flertando com ela (...) Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis. Como é que eu posso demonstrar Adélia, se ela ainda está inédita, aquilo de vender livro à porta da livraria é pura imaginação, e só uns poucos do país literário sabem d existência deste grande poeta-mulher à beira-da-linha?"
Agora Adélia Prado está aqui, transmitindo através do que escreve sua experiência, sem abstrações. As coisas e fatos do cotidiano, no que ela escreve, estão pulsantes, veementes, vivos. Por tudo isto, podia ser feito um paralelo entre a sua poesia e a da norte-americana Elizabeth Bishop que, por coincidência, também viveu em Minas (Ouro Preto) nos anos qm que esteve no Brasil. O coração amolecido como um figo na calda - como esta, outras imagens criadas por Adélia Prado saem do seu dia-a-dia.
O maior mérito de BAGAGEM é o de ser uma poesia feita com os cinco sentidos bem alertas, uma poesia não pensada mas vivida.

OLGA SAVARY 

Sem dúvida essa simples orelha do livro pode nos trazer muito o que pesquisar, principalmente aos leitores ávidos pela poesia adeliana. Por isso digo e repito: aqueles que quiserem pesquisar mais a respeito, por favor, mandem um sinal de fumaça! Até a próxima! 

sábado, 26 de outubro de 2013

Adélia e Drummond no Jornal do Brasil


Tenho certeza de que você já deve ter ouvido falar sobre esta edição do Jornal do Brasil. A maioria das entrevistas com Adélia fazem referência a esse excerto de jornal. Inúmeros trabalhos acadêmicos (inclusive os meus) tomam como ponto de partida o elogio de Drummond sobre a poesia adeliana - às vezes, fico até pensando o que seria da Adélia se essa edição do jornal não existisse! Parece que a Adélia só virou poeta poque o Drummond falou que ela era! Que bobagem...! 
Bem, se ela não tivesse sido descoberta por ele, o prazer seria de outro, não é verdade? Por exemplo: o Pedro Paulo de Sena Madureira conhece(u) muitos poetas, tem livros de poesia publicados, conheceu o próprio Drummond e nem por isso a sua poesia é conhecida! Outro exemplo: Dante Milano sempre foi recomendadíssimo por Manuel Bandeira e nem por isso as pessoas o conhecem e muito menos a sua poesia (o que é uma pena!). De modo que a verdade é essa: quem faz do homem, ou da mulher, poeta é Deus e depois, é claro, o povo! Não os outros poetas! Mas chega de falar!
Deixo aqui a transcrição ipsis literris da versão impressa! Aqueles que desejarem estudar mais a respeito, por favor me convidem para fazer parte das pesquisas! Até o próximo post!

Lia Cavalcanti e Eliete Pinto distribuiram mais um nome de A Voz dos que Não Falam, jornaleco anual mimiografado e sublime, em que animais expoem suas reinvindicações, exalam suas queixas, agradecem a seus amigos. Lia escreve e Eliete ilustra o que eles falam. Este ano, o destaque é para uma vitória para a APA, (Associação Protetora dos Animais): o Senado aprovou projeto de lei que proíbe experiências de crianças nas escolas com animais vivos. "Pelo menos oficialmente, não se aprende mais crueldades nas escolas." Vem aí o congresso da ASTA, e como se quer proibir ao mesmo tempo que os cães vivam em apartamento e andem na rua, o jornal observa: "Convém lembrar que de modo geral americano tolera melhor um sujinho de cão do que qualquer violência contra o dito." Pelo relatório da APA, ficamos sabendo como a associação ajudou a vacinação contra a raiva em oito morros da cidade; o intenso movimento de seus dois abrigos para o recolhimento de animais abandonados; sua concepção filosoficamente correta quanto à sorte dos animais excedentes, que importa no recurso à castração e à eliminação sem dor, hoje adotado nos países onde maior é o sentido humanístico da vida. Todo este sistema de proteção ao animal, dentro da realidade contemporânea é colocado sobre as vistas de São Francisco de Assis, o irmão geral da natureza. Tenho diante de mim, no momento, a madeira em que Fausto Alvim, astista silencioso que descobriu sozinho as veredas da criação, entalhou o santo espiritualizado, entre  andorinha e o ramo de flor. Esse Francisco não para de cativar a gente. Há santos que ficam quietos na bem-aventurança, não descem do altar, só esperam devoção e respeito. O Francisco, não. Acompanha a gente na cidade, inspira movimento como esse da APA, faz de um bacharel como Fausto um escultor sensível, enfim, ensina cada um a fazer as coisas belas e a amar, com sabedoria. Acho que ele está no momento ditando em Divinópolis os mais belos poemas e prosas a Adélia Prado. Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus:

Uma ocasião meu pai pintou a casa
toda de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa
como ele mesmo dizia:
constantemente amanhecendo.

Nascida à beira-da-linha, o trem-de-ferro, para ela, "atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou a minha vida, virou só sentimento". E diz, entre outras: "Eu gosto é de trem-de-ferro e de liberdade". Eu peço a Deus alegria pra beber vinho ou café, eu peço a Deus paciência pra por meu vestido novo e ficar na porta da livraria, oferecendo meu livro de versos, que pra uns é flor de trigo, pra outros nem comida é." Em política, Adélia diz que "já perdeu a inocência para os partidos": "Sou do partido do homem". E sai no meio do discurso. Quer "comer comer bolo-de-cenoura, puro açucar, puro amor carnal, disfarçado de corações e sininhos: um branco outro cor-de-rosa, um branco outro cor-de-rosa". Adélia vai às compras? "A crucificação e Jesus está no supermercados, para quem queira ver. Quem não presta atenção está perdendo. Tem gente que compra imoral demais, com um olho muito guloso, se sungando na ponta dos pés, atochando o dedo nas coisas, pedindo abatimento, só de vício, com a carteira estufada de dinheiro; enquanto uns amarelos, desses cujo único passeio é varejar armazéns, ficam olhando e engolido em seco, comprando meios quilinhos das coisas mais ordinárias." Adélia já viu a Poesia, ou Deus, flertando com ela, "na banca de cereais e até na gravata não flamejante do Ministro". Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis. Como é que eu posso demonstrar Adélia, se ela ainda está inédita, aquilo de vender livro à porta da livraria é pura imaginação, e só uns poucos do país literário sabem d existência deste grande poeta-mulher à beira-da-linha?

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Lapinha de Jesus II


Este é um dos poemas que compõem o auto de natal Lapinha de Jesus(1969). Depois que terminei de ler fiquei sem saber o que dizer do livro. Acho que se alguém me perguntasse eu diria que a poesia adeliana, de certa forma, já está ali em seu germe, pulsando, querendo sair pra fora. Mas antes de deixar aqui minhas próprias impressões, transcrevo aos leitores a definição que o próprio livro traz de si (em sua orelha):


Cada povo tem o seu modo especial de viver o imenso acontecimento do Deus que veio morar no meio dos homens. a fé é a mesma em qualquer parte. Mas sua expressão cultural varia de acordo com a sensibilidade e a tradição vivida por cada agrupamento humano.
Lapinha de Jesus é a história do Natal acontecendo nu arraial do interior brasileiro. Neste sentido, este maravilhoso álbum de Natal é uma expressão religiosa e artística da alma do nosso povo vivenciado uma de suas maiores celebrações anuais. Trata-se de um lindo presépio composto em belas figuras criadas em terracota vermelha, e transformado num conjunto surpreendente de fotografias cheias de profunda significação. O texto é denso, mas exprime, em prosa e verso, a ternura e a simplicidade do nascimento do Deus-menino, tal como é festejado pela alma religiosa e cabocla de nossa gente.
Num tempo em que as grandes tradições religiosas populares padecem o impacto da propaganda a serviço de objetivos puramente comerciais, alegra-nos encontrar um trabalho como este, cheio de poesia e gratuidade. Obras assim enriquecem as nossas mais autênticas tradições populares, recuperando-lhes o sentido e ampliando-lhes a mensagem originalmente vivida. Possa a experiência de Frei Tiago Kamps, O.F.M, Adélia Prado, Lázaro Barreto e Gui Manzone inspirar criações semelhantes.
Um trabalho assim, tão original certamente contribuirá para uma vivência mais cheia de sentido de uma das mais belas e universais tradições do povo cristão.

No livro já  podemos encontrar alguns dos temas que irão fazer parte de toda a sua obra. As referências ao cotidiano da casa, aos diálogos familiares, às orações, ou ainda as referências a personagens bíblicas. Encontramos, também, desde aquela época, o apreço de Adélia por Carlos Drummond de Andrade, que, aliás, abre o livro com um de seus poemas de Natal (Acontecimento).
Não podemos deixar de dizer, também, que o livro foi produzido a quatro mãos. Lázaro Barreto, também escritor nascido em Divinópolis, assina o texto juntamente com Adélia, ficando ambos responsáveis pela escritura dos poemas. As fotos do livro recebem a autoria de Gui Tarcísio Mazzoni, fotógrafo de quem não se tem mais notícias. Já a elaboração artística do presépio recebe a autoria do Frei franciscano de Tiago Kamps que também parece não ter deixado nenhum registro a não ser algumas fotos pela internet. Suas esculturas em terracota apresentam muita expressividade, mesmo com a rusticidade do material. Pelas pesquisas encontradas no Google não há nenhum trabalho acadêmico sobre Lapinha de Jesus. Fica aqui o convite para quem tiver o interesse! De minha parte, ofereço toda a ajuda necessária para a realização da pesquisa. Até o próximo post!

sábado, 12 de outubro de 2013

Lapinha de Jesus I

Pouco se sabe sobre o primeiro livro da autora, o auto Lapinha de Jesus, editado pela Vozes (1969). O que podemos afirmar, com certeza, é que ele traz a autoria de Adélia em parceria com o escritor Lázaro Barreto e algumas fotos de Gui Tarcísio Mazzoni. Aliás, poucos leitores da literatura adeliana tiveram a oportunidade de conhecê-lo, talvez por não haver interesse por parte da autora, ou das editoras, em publicá-lo novamente.
Semana passada, alguém que me ama muito, disse tê-lo encontrado em um sebo qualquer e prometeu me presentear com o livro! Assim que recebê-lo farei questão de postar minhas impressões e, quem sabe, alguns trechos para os leitores que desejam conhecê-lo! Aqueles que já conhecem o texto, por favor, comentem o post e deixem suas impressões sobre o livro! Creio que ele deve valer uma boa monografia, ou mesmo uma dissertação de mestrado! Ah! Quase esqueci... Existe um poema da autora que recebe o nome de Lapinha e que se encontra no livro Terra de Santa Cruz (1978) - o segundo livro da autora, que aliás foi agraciado com o prêmio Jabuti. Deixo aqui a transcrição do poema:


Lapinha

Quando éramos pobres e eu menina
era assim o Natal em nossa casa:
quatro semanas antes
a palavra ADVENTO sitiava-nos,
domingo após domingo.
Comeríamos melhor naquele dia,
seríamos pouco usuais:
vinho, doces, paciência.
Porque o MENINO estremecia no feno
e nos compadecíamos de Deus até as lágrimas.
Olhando a manjedoura, o que eu sentia
- sem arrimo de palavras - 
era o que eu sinto ainda:
'O desejo de esbeltez será concretizado.'
À luz que não tolera excessos,
o musgo, a areia, a palha cintilavam,
a pedra. Eu cintilava.


Lindo o poema, não?! Vou ficando por aqui! Assim que receber o livro conto pra vocês o que achei. Até lá!

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

O propósito do blog

Bem, o propósito do blog é apresentar de maneira simples e prática registros, pesquisas ou documentos que divulguem a poesia de Adélia Prado. Claro, sem muita pretensão, sem muito rigor, porque se trata de um espaço informal e, sobretudo, de um assunto muito caro a todos os leitores que apreciam a sua poesia. De qualquer maneira, aqueles que quiserem participar com curiosidades, com fotos, ou com pesquisas acadêmicas estão convidados! Mandem e-mails, ou comentem os nossos posts! Sejam bem vindos!