sábado, 26 de outubro de 2013

Adélia e Drummond no Jornal do Brasil


Tenho certeza de que você já deve ter ouvido falar sobre esta edição do Jornal do Brasil. A maioria das entrevistas com Adélia fazem referência a esse excerto de jornal. Inúmeros trabalhos acadêmicos (inclusive os meus) tomam como ponto de partida o elogio de Drummond sobre a poesia adeliana - às vezes, fico até pensando o que seria da Adélia se essa edição do jornal não existisse! Parece que a Adélia só virou poeta poque o Drummond falou que ela era! Que bobagem...! 
Bem, se ela não tivesse sido descoberta por ele, o prazer seria de outro, não é verdade? Por exemplo: o Pedro Paulo de Sena Madureira conhece(u) muitos poetas, tem livros de poesia publicados, conheceu o próprio Drummond e nem por isso a sua poesia é conhecida! Outro exemplo: Dante Milano sempre foi recomendadíssimo por Manuel Bandeira e nem por isso as pessoas o conhecem e muito menos a sua poesia (o que é uma pena!). De modo que a verdade é essa: quem faz do homem, ou da mulher, poeta é Deus e depois, é claro, o povo! Não os outros poetas! Mas chega de falar!
Deixo aqui a transcrição ipsis literris da versão impressa! Aqueles que desejarem estudar mais a respeito, por favor me convidem para fazer parte das pesquisas! Até o próximo post!

Lia Cavalcanti e Eliete Pinto distribuiram mais um nome de A Voz dos que Não Falam, jornaleco anual mimiografado e sublime, em que animais expoem suas reinvindicações, exalam suas queixas, agradecem a seus amigos. Lia escreve e Eliete ilustra o que eles falam. Este ano, o destaque é para uma vitória para a APA, (Associação Protetora dos Animais): o Senado aprovou projeto de lei que proíbe experiências de crianças nas escolas com animais vivos. "Pelo menos oficialmente, não se aprende mais crueldades nas escolas." Vem aí o congresso da ASTA, e como se quer proibir ao mesmo tempo que os cães vivam em apartamento e andem na rua, o jornal observa: "Convém lembrar que de modo geral americano tolera melhor um sujinho de cão do que qualquer violência contra o dito." Pelo relatório da APA, ficamos sabendo como a associação ajudou a vacinação contra a raiva em oito morros da cidade; o intenso movimento de seus dois abrigos para o recolhimento de animais abandonados; sua concepção filosoficamente correta quanto à sorte dos animais excedentes, que importa no recurso à castração e à eliminação sem dor, hoje adotado nos países onde maior é o sentido humanístico da vida. Todo este sistema de proteção ao animal, dentro da realidade contemporânea é colocado sobre as vistas de São Francisco de Assis, o irmão geral da natureza. Tenho diante de mim, no momento, a madeira em que Fausto Alvim, astista silencioso que descobriu sozinho as veredas da criação, entalhou o santo espiritualizado, entre  andorinha e o ramo de flor. Esse Francisco não para de cativar a gente. Há santos que ficam quietos na bem-aventurança, não descem do altar, só esperam devoção e respeito. O Francisco, não. Acompanha a gente na cidade, inspira movimento como esse da APA, faz de um bacharel como Fausto um escultor sensível, enfim, ensina cada um a fazer as coisas belas e a amar, com sabedoria. Acho que ele está no momento ditando em Divinópolis os mais belos poemas e prosas a Adélia Prado. Adélia é lírica, bíblica, existencial, faz poesia como faz bom tempo: esta é a lei, não dos homens, mas de Deus:

Uma ocasião meu pai pintou a casa
toda de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa
como ele mesmo dizia:
constantemente amanhecendo.

Nascida à beira-da-linha, o trem-de-ferro, para ela, "atravessa a noite, a madrugada, o dia, atravessou a minha vida, virou só sentimento". E diz, entre outras: "Eu gosto é de trem-de-ferro e de liberdade". Eu peço a Deus alegria pra beber vinho ou café, eu peço a Deus paciência pra por meu vestido novo e ficar na porta da livraria, oferecendo meu livro de versos, que pra uns é flor de trigo, pra outros nem comida é." Em política, Adélia diz que "já perdeu a inocência para os partidos": "Sou do partido do homem". E sai no meio do discurso. Quer "comer comer bolo-de-cenoura, puro açucar, puro amor carnal, disfarçado de corações e sininhos: um branco outro cor-de-rosa, um branco outro cor-de-rosa". Adélia vai às compras? "A crucificação e Jesus está no supermercados, para quem queira ver. Quem não presta atenção está perdendo. Tem gente que compra imoral demais, com um olho muito guloso, se sungando na ponta dos pés, atochando o dedo nas coisas, pedindo abatimento, só de vício, com a carteira estufada de dinheiro; enquanto uns amarelos, desses cujo único passeio é varejar armazéns, ficam olhando e engolido em seco, comprando meios quilinhos das coisas mais ordinárias." Adélia já viu a Poesia, ou Deus, flertando com ela, "na banca de cereais e até na gravata não flamejante do Ministro". Adélia é fogo, fogo de Deus em Divinópolis. Como é que eu posso demonstrar Adélia, se ela ainda está inédita, aquilo de vender livro à porta da livraria é pura imaginação, e só uns poucos do país literário sabem d existência deste grande poeta-mulher à beira-da-linha?

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