terça-feira, 29 de julho de 2014

The Alphabet in the Park



"Compared to my heart's desire/ the sea is a drop."

Adélia Prado's poetry is a poetry of abundance. These poems overflow whith the humble, grand, various stuff of daily life - necklaces, bicycles, fish; saints and prostitutes and presidents; innumerable chickens and musical instruments. There is a lot of the color yellow here, and almost as much mathematics. And, seemingly at every turn, there is food.

I first met Adélia Prado in 1985, in her chicken in Divinópolis. Ever since stubling on a sever-line poem by her in a obscure Brazilian literary magazine, I had been wanting to sit across a table from his woman and talk about my translating the rage and delight of her poetry into English. When, years later, I arrived on her doorstep, manuscript of translations in hand, and bluterd that I was famished, she was visibly pleased - the only other North American she had met had refused to eat a thing - and sat me down to a huge meal of beans and rice whith all the trimmings. Appetite is crucial to Prado:

Forty years old: I don't want a knife
or even cheese - 
I want hunger.

This poet cooks, eats, chews memoris, confesses to gluttony: "I nibble vegetables as if they were carnal encounters."

Sexual hunger is admitted as frankly as any other. We see a woman tempted by "the vibrations of the flesh," by "the precise configuration of lips," who listens "most closely to the voice that is impassioned," a "woman startled by sex,/ but delighted."

There is an abundance of dark things also. There are "drowning victms, chopping blocks,/ forged signatures." There is cncer. There are moments of quiet desesperation:

What thick rope, what a ful pail,
what a fat sheaf of bad things.
What an incoherent life is mine,
what dirty sand.

The appeal of these poems has to do with their wonderful specificity, their neckedness, their desire to embrece neverything  in sight - as well as things invisible. Here is a "creature of the body" who experiences great spiritual craving, ho believes that spirit is almost as palpable. (...)

Ellen Watson

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O sempre amor - CD



Litores, trago a vocês o CD Adélia Prado: o sempre amor, gravado entre abril de 2001 e setembro de 2002 pelo selo da produtora Karmim. A escolha dos textos ficou por conta da própria Adélia, que reuniu poemas de  cinco dos seus livros de poesia publicados naquela época: Bagagem (1976), Terra de Santa Cruz (1981), O Pelicano (1987) a Faca no peito (1988) e Coração disparado (1978), ficando de fora apenas o Oráculos de maio (1999). A criação da trilha sonora e a direção musical ficou sob responsabilidade de Mauro Rodrigues e a idealização do projeto é de Carminha Guerra. Ainda que seja um trabalho maravilhoso, o CD dificilmente pode ser encontrado para a venda! Deixo com vocês uma faixa de presente (Amor feinho). Até a próxima!


sábado, 12 de julho de 2014

Vida Doida - Cartões postais


COLEÇÃO PALAVRA E ARTE 
Unir o trajeto de linhas às palavras, confrontar a riqueza das cores aos poemas, preservando a individualidade de cada artista, esse foi o desafio assumido pela Editora Alegoria ao desenvolver a Coleção Palavra e Arte. 
Mais do que prosa e poesia, optamos por produzir a união entre a inspiração plástica e a literária, a partir do desenvolvimento de um tema escolhido por escritores e ilustrado por artistas, imprimindo a força da criatividade de profissionais contemporâneos. 
Resultado de temperamentos díspares, essa associação  é oferecida em cartões postais, constituindo-se em instrumentos de difusão desta arte. Pois, como dizia Mário de Andrade: "Arte é, antes de mais nada, um meio de o homem expressar-se livremente para consolar, para elevar, para se comunicar. (...) Arte se faz com vida e liberdade". 
A Arte - essa transgressão da natureza - é para ser compartilhada. Um mundo que difunde sua cultura é um mundo que não compactua com o preconceito. É o mundo que buscamos através de nosso trabalho. 
Editora Alegoria

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Adélia Prado: uma entrevista


Esta entrevista, concedida em Divinópolis, a 3 de fevereiro de 1995, foi feita originalmente para um número especial da revista espanhola El Urogallo (n° 110/111, Julho-Agosto de 1995), dedicado a artistas mulheres brasileiras. A versão publicada na revista é bastante condensada (cerca de 6 laudas). O texto que se segue é praticamente a transcrição integral da entrevista, editada apenas para evitar os excessos de coloquialismo. A entrevista foi realizada pelo professor Antonio Herculano Lopes, pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, ator e diretor de teatro.

AH: Adélia Prado por Adélia Prado 
AP: Eu nasci aqui mesmo em Divinópolias em 35, sou filha de um ferroviário e de mamãe da casa, do lar, doméstica, sou a mais velha de oito irmão, não há tradição de escritores na minha família, eu comecei a linhagem. [ri] E... era uma vida muito ordinária. De extrema pobreza material, mas assim, muito rica do ponto de vista de relacionamento familiar, humano, uma família muito afetiva. meu pai era muito... pessoa muito calorosa, muito amorosa. Fiz curso primário, ginásio, fiz o curso de professora e mais tarde, quando eu já estava estava casada, com os filhos todos, eu cursei Filosofia. Eu e meu marido fizemos Filosofia. Eu era louca para estudar Filosofia e aparecendo a chance a gente fez. Aqui mesmo em Divinópolis. Nós começamos a faculdade em seu início, muito boa mesmo. Nós tivemos essa sorte de cursar Filosofia. O meu contato com os livros era que eu tinha uma atração pela palavra... pela palavra ritmada, pela Literatura... hoje eu sei que era Literatura o que me encantava.
 AH: Não tem uma história que você primeiro foi música e depois poeta?
 AP: Não, não, não. É porque um personagem meu era música, então todo mundo acha que eu entendo. Não sei nada de música. Meus meninos tocam violão, tocam piano, mas eu não. Eu gostava de decorar as poesias escolares, recitar essas poesias nos auditórios. Em festas cívicas, religiosas, eu estava lá na frente recitando e falando e achando bonito. Meu pai aplaudia muito. Ele sabia poesias de cor. Ele não tinha o curso primário.
AH: Aquele poema que você faz a citação... 
AP: "Recita aquela bonita..." 
 
A POESIA
Recita "Eu tive um cão", depois "Morrer dormir", ele dizia.
Eu recitava toda poderosa.
'Eh trem!' ele falava, guturando a risada, os olhos
amiudados de emoção, e começava a dele:
"Estrela, tu estrela, quando tarde, tarde, bem tarde,
brilhaste e envolveste o teu olhar para o passado,
recordas-te e dirás com saudade: sim, fui mesmo ingrato.
Mas tu lembrarás que a primavera passa e depois volta
e a mocidade passa e não volta mais".
A última palavra, sufocada. O que estava embaçado
eram seus óculos. Ó meu pai, o que me davas então?
Comida que mata a fome e mais outras fomes traz?
Eu hoje faço versos de ingrato ritmo.
Se o ouvisses por certo me dirias com estranheza e amor:
'Isso, Delão, isso!' O bastante para eu comer recompensada.
Agora as boas, pai, agora as boas:
"Eu tive um cão", "Estrela, tu estrela".
"Morrer dormir, jamais termina a vida!",
jamais, jamais, jamais.
Adélia Prado

sexta-feira, 4 de julho de 2014

Depoimento (Suplemento Literário)


Trago aos leitores mais um emocionante depoimento adeliano sobre a Poesia. O texto quem arranjou foi a  escritora e jornalista Branca Maria de Paula, para o Suplemento Literário de Minas Gerais, no dia 23 de junho de 1984. Segue abaixo sua transcrição. Boa leitura!

Não entendo que a literatura tenha uma função. Não a sinto como categoria utilitária destinada a prestar tal ou qual serviço. Daí meu incômodo e meu desgosto com a chamada literatura engajada, uma contradição já em termos. A palavra, quando intenciona um resultado prático, uma ação, virá discursivamente política, religiosa, filosófica, panfletária, como ensaio, artigo, etc. Deve, evidentemente, possuir a beleza da correção e da clareza. Não mais lhe será pedido. A palavra literária, pelo contrário, não precisa (até pode) ser "correta" nem clara, mas tem de ser bela. Se beleza for considerada uma função, estará aí a única que se pede à literatura. A verdadeira literatura, como qualquer obra de arte, será ontologicamente crítica (engajada) e revolucionária. Dispensa da parte do autor a preocupação de sintonizá-la com o que quer que seja. Alguém cobra engajamento de uma rosa, a flor milenar, perenemente nova e surpreendente? Um livro "engajado", um teatro, que discutam, por exemplo, os atualíssimos temas da violência, da divisão de terras, da permissividade sexual, se forem má literatura e mau teatro, provocarão em platéia e leitores, bocejos e raiva. Porque, no fundo, são uma empulhação, uma coisa pseuda. Ao contrário, um texto verdadeiramente literário sobre "amenidades", como flor, nuvem, pode produzir em platéia e leitores de dura cerviz uma passeata ecológica para a defesa do verde, co/movidos unicamente pelo único argumento indiscutível, a Beleza, que atinge em nós regiões mais ricas e mais profundas que o raso nível da inteligência. Isto, sim, me deixa perplexa, o mistério, o instigante didatismo, a pedagogia formidável das obras verdadeiras. Creio que a fonte da Beleza é Deus, o que me dá um começo de explicação. O resto é literatura, obra humana, falível, com tal pobreza que até estilos tem. Salve ela! Vou parar porque sinto que começo a fazer literatura, quando me foi pedida uma resposta clara.
Adélia Prado

terça-feira, 1 de julho de 2014

O vazio e o pleno, de Vera Queiroz



O VAZIO E O PLENO
A POESIA DE ADÉLIA PRADO

Vera Queiroz


A Editora da UFG inicia, com O Vazio e o pleno - a poesia de Adélia, de Vera Queiroz, uma nova série de publicações para o selo da coleção Orfeu. O projeto da Coleção é de oferecer ao público interessado obras de alta relevância teórica, crítica e metodológica no campo dos estudos sobre a Literatura, que sejam resultado das pesquisas acadêmicas de ponta e reflitam a multiplicidade dos enfoques hoje vigentes na aproximação do objeto literário. Sua finalidade é a de expor a dinâmica dessas mudanças e contribuir para ativar a reflexão em torno dos discursos que compõem, em nossa contemporaneidade, o largo espectro das Ciências Humanas, em relações inter e intradisciplinares.

O livro de Vera Queiroz é resultado de sua pesquisa de Mestrado, desenvolvido na PUC/RJ e na UFRJ, e se constitui de uma leitura crítica e interpretativa acerca dos aspectos temáticos na obra de Adelia Prado, centralizada sobretudo nos livros Bagagem (1976), O coração disparado (1977), Terra de Santa Cruz (1981), O pelicano (1987), A faca no peito (1988). Nesse conjunto, a autora mapeia os temas que singularizam a produção poética da autora mineira na tradição da nossa lirica e a situam como uma das expressões mais originais surgidas nas últimas décadas no cenário da Literatura Brasileira, em especial porque, segundo as palavras da autora, tal poesia resgata o conceito benjaminiano de experiência ligada à comunhão e à funda cumplicidade com o homem e com sua existência concreta, tecida nas relações que os atos cotidianos geram. A obra se compõe de quatro capítulos-chave, correspondentes aos temas ali estudados.

Depois de uma Introdução , em que situa o modo como a poesia de Adélia foi recebida pela crítica literária de então, no capítulo dois - Intertextos: os poetas - a autora discute o diálogo que a poesia adeliana estabelece com seus pares, seja sob a forma de homenagem explícita (no caso de Guimarães Rosa), seja sob a forma de uma paródia que não deixa de ser também homenagem, como se dá com mais de um poema em que Drummond é tematizado.

Outras relações são estabelecidas com as poéticas de Fernando Pessoa, Murilo Mendes e Castro Alves. Em Resíduos: as palavras, a análise detém-se na compreensão do aproveitamento literário das formas de linguagem coloquial e popular, para captar o movimento original que a poesia de Adélia empreende no sentido de re-inaugurar e re-iluminar vocábulos gastos pelo uso, esvaziados de sentido, através do que se define como construções epifânicas, surgidas pela disposição nova da palavra, da sílaba, do som. Esse aproveitamento dos resíduos da linguagem, descrito minuciosamente nas análises feitas pela autora, constitui uma das linhas de forca mais originais da técnica adeliana e uma marca de sua poesia. O universo da província é analisado em Mínimos: as coisas, onde as ações cotidianas, os elementos naturais, o microcosmo das relações afetivas são percorridos de modo a situá-los como condensadores das grandes inquietações de espírito humano. Na poesia de Adélia, as leituras empreendidas aqui o revelam, a grande política se faz nos gestos mais comuns, as grandes questões já habitam o espaço da casa, do quintal, da rua, da pequena cidade. No último capitulo - Mitologias: Deus, tempo, memoria - é analisado um dos aspectos centrais do pensamento poético de Adélia Prado,
aquele que recobre todos os outros temas - trata-se do tema da religiosidade, cuja vertente é definida como a síntese entre os mitos de Deus e da poesia, esta última vista como a encarnação humana da palavra fundadora: a palavra divina.

Além de poder compartilhar as várias faces da poesia de Adélia Prado, apresentadas de modo cúmplice e enriquecedor, o leitor encontrara nesse lançamento da Editora da UFG inúmeras indicações para uma metodologia de leitura. 

(Orelha do livro)

terça-feira, 17 de junho de 2014

Depoimento (Poesia Sempre)

Boa noite leitores! Trago desta vez o depoimento que Adélia deu à Revista Poesia Sempre (1997). Ele é breve, bonito e cativante, assim como toda a sua poesia. Fiquem à vontade para comentar! Até a próxima!


Minha poesia

Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: "Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda a sua glória, se vestiu como um deles..." A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito para essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse. Poderosa, maravilhosa, encantatória. Sua beleza apenas comprava-me e aos meus ouvintes. Moça feita, li Drummond a primeira vez em prosa. Muitos anos mais tarde, Guimarães Rosa, Clarice. Esta é a minha turma, pensei. Gostam do que eu gosto. Minha felicidade foi imensa. Continuava a escrever, mas infadara-me do meu próprio tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um dia, propriamente após a morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e percebo uma fala minha, diversa da dos autores que amava. É isto, eu disse, é a minha fala. Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de olhar formigas trabalhando. O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é labor do poeta. 
Adélia Prado

sábado, 14 de junho de 2014

A Máscara e o Véu, de Laéria Fontenele


Olá, pessoal! Aqui estou novamente com mais uma dica para aqueles que se deleitam com a poesia adeliana. Sou daqueles que preferem ler Adélia por deleite e fruição, mas confesso, tenho certo gosto pela pesquisa, talvez seja influência dos tempos da faculdade. Desta vez, trago para vocês um excelente livro sobre o discurso adeliano. Se chama A Máscara e o Véu: o discurso feminino e a escritura de Adélia Prado (2002), escrito pela professora Laéria Fontenele. Aproveitem o máximo, só não deixem de ler a Adélia no original. Até a próxima!

INTRODUÇÃO 
A eleição de um objeto a que se pretende dar um tratamento analítico obedece, provavelmente, a um ponto de mutismo que, dificilmente, pode ser determinado com precisão, – sem, com isso, mobilizar os fantasmas da ciência e seus consequentes núcleos, que, por atualizarem o enigma das origens, requerem o tratamento simbólico. Por isso, traçam-se, nesta introdução, apenas os momentos em que se ornaram explicitas as razões pelas quais o objeto desta investigação tornou-se inteligível e digno de um percurso. 
As obras literárias, (assim como as científicas e culturais) raramente, impõem-se ao leitor por si mesmas. Em geral, inauguram-se a partir dos discursos que mobilizam em torno de si: "La critica desdobla los sentidos, hace flotar un segundo lenguaje por encima del primer lenguaje de la obra, es decir, una coherencia de signos (Barthes, 1996: 66) 
O crítico - figura que, em suas origens, segundo Foucault, (2000: 156) seria o agente da crítica enquanto "uma instituição judicativa, hierarquizante, mediadora entre uma linguagem criadora, um autor criador e um publico de simples consumidores" - exerce a função social de oferecer ao leitor uma pré-leitura da obra, como se esta somente fosse acessível àquele a partir dessa mediação. Em nosso tempo, ainda de acordo com Foucault, o crítico faz de seu trabalho não o produto de seu gosto e de sua intenção judicativa; escolhe, ao invés disso, a priori, um método de análise, através do qual estabelece uma rede discursiva, pretensamente objetiva e que gera a "multiplicação dos atos críticos" (p. 155) 
Assim, a obra se distancia, também, do crítico, pois tal procedimento funda um novo mediador entre ela e o analista: a teoria pela qual, agora, ela, a obra, a ele pode ter acessibilidade. De qualquer forma, o leitor continua chegando a obra pelo processo mediador da critica, - embora, segundo essa ordem, trate-se de uma dupla mediação. Esclarece-se, com isso, que a escritura de Adélia Prado, a princípio, aportou nesta leitura a partir de sua dependência a essa rede de discursividades. 
Nisso, uma serie de juízos, já construídos pela receptividade da crítica à sua obra foi imposta a esta análise, antes mesmo de se ter acesso à sua letra: Adélia, a escritora mineira, a dama de Divinópolis, mulher madura que lança seu primeiro livro aos 41 anos; poetisa do cotidiano feminino; a voz mais feminina da poesia brasileira contemporânea; escritora que imprime, em sua obra, a sua experiencia de mulher; a apadrinhada de Carlos Drummond de Andrade; a escritora que se impôs sem jamais haver se radicado nas metrópoles culturais... (Enumerar-se-ia, ainda, uma gama de outros predicados a ela atribuídos, e que circulam socialmente, oferecendo ao leitor a opção de tomá-la, num primeiro momento, a partir de um deles, de todos ou, ainda, de sua síntese.) 
Depois, a aproximação de sua escrita e a materialidade de sua letra provocaram indagações sobre a possibilidade desses diversos rótulos estarem ou não legitimados por sua escritura; o que, per certo, obedeceu a um processo de delimitação, segundo a qual foi possível a explicitação do objectivo deste estudo. Constatou-se a necessidade prévia da indagação acerca dos modos constitutivos do surgimento de um tipo de discurso analítico que elegeu o problema do "feminino" na literatura como o seu objeto, bem como a sua potencia em gerar toda uma rede discursiva sobre o assunto. 
A partir de tal procedimento, fez-se imperiosa a pergunta sobre a especificidade das marcas literárias desse modo de escrita e, também, como Adélia Prado delas se serve. Visou-se, com isso, a compreensão da associação de sua escrita ao "'feminino" na literatura. 
Este estudo abordará as razões pelas quais a escritura de Adélia Prado transcende tal classificação. Serão traçadas, portanto, as condições por que Adélia Prado constrói o seu crono-topo, considerando-se a especificidade como o sujeito lírico e/ ou ficcional se desloca no espaço e como estabelece a relação com a extensão temporal. Cuidará, assim, da construção da singularidade poética de Adélia Prado, enquanto produtora de um estilo que a insere no campo literário como função de autoria: ou seja, reveladora de aspectos originais, que podem ser associados ao seu nome e diferenciá-la de outros autores, no sentido de trabalhar, de forma específica, as regras do literário do campo em que se encontra inserida. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Sertão Cósmico

Não vou fazer comentários nesta postagem. Deixo com vocês as palavras daquele que enxergou, logo de início, a "força irracional" e "aliciadora" da Poesia de Adélia Prado. Com vocês Affonso Romano de Sant'Anna:


quinta-feira, 5 de junho de 2014

O escritor por ele mesmo - Adélia Prado


Como vão, leitores?! Desta vez trago a vocês uma raridade! Alguns poemas do K7 O escritor por ele mesmo (1999), produzido pelo Instituto Moreira Salles! Os acostumados a ouvir a Adélia talvez estranhem um pouco, mas logo logo vão reconhecendo a sua voz inconfundível! Pelo que pesquisei, os poemas foram gravados apenas nesse formato e creio que muitos leitores não tiveram a oportunidade de ouvi-los ainda. Selecionei apenas dois e disponibilizo aqui à vocês! Quem tiver mais informações a respeito, deixe recado! E até a próxima postagem!




domingo, 1 de junho de 2014

O Tom de Adélia Prado



Como vão leitores?! Trago a vocês, dessa vez, o encarte do CD O Tom de Adélia (2000). Nele vocês vão encontrar os poemas do livro Oráculos de Maio. Quem ainda não teve a oportunidade de ouvir a própria Adélia lendo seus  poemas, não sabe o que está perdendo. Sua experiência com o teatro parece ter influenciado muito a maneira como ela prepara os textos a serem recitados. De dar inveja no Bandeira e no Drummond! Deixo com vocês o meu poema preferido: Neopelicano. Ah! E quem quiser contribuir com curiosidades, fique à vontade! Um grande abraço e até a próxima!

NEOPELICANO

Um dia,
como vira um navio
pra nunca mais esquecê-lo,
vi um leão de perto.
Repousava,
a anima bruta indivídua.
O cheiro forte, não doce,
cheiro de sangue a vinagre.
Exultava, pois não tinha palavras
e não tê-las prolongava-me o gozo:
é um leão!
Só um deus é assim, pensei.
Sobrepunha-se a ele
um outro e novo animal
radiando na aura
de sua cor maturada.
Tem piedade de mim, rezei-lhe
premida de gratidão
por ser de novo pequena.
Durou um minuto a sobre-humana fé.
Falo com tremor:
eu não vi o leão,
eu vi o Senhor!

(“Neopelicano”, Oráculos de Maio, p. 135)

domingo, 25 de maio de 2014

Bagagem (III)


PRADO, Adélia. Bagaje. 2a ed. Lima: Editora Fondo, 2009.
____________. Bagaje. Cidade de México: Editora Praxis, 2000.

Leitores, apresento a vocês mais duas capas de Bagagem que, a nós brasileiros, são inéditas! São as edições dos livros que foram publicadas pela Editora Fondo (Universidade Antonio Ruiz de Montoy) e pela editora Editora Praxis (Universidad Iberoamericana de Cidade do Mexico). Ambos os livros foram traduzidos pelo professor José Francisco Navarro que, solicitamente, nos enviou o prefácio das edições! Boa leitura:

La original poesía de Adela Prado 
En lugar insólito, en una modesta oficina de la morgue de Lima, debajo del cristal del escritorio está escrita una historia que sorprende a los que ahí acuden a tratar administrativamente con la muerte. Se trata de un turista que llega a Egipto deseoso no solamente de conocer la magnificencia de la cultura de los faraones sino la espiritualidad viva de ese pueblo milenario y pide a un conocido que lo conduzca ante la presencia de alguna persona que tenga la sabiduría acumulada a lo largo de numerosas generaciones. El guía lo lleva por distantes y laberínticas calles de El Cairo y, finalmente, después de atravesar un zaguán, le hace subir una angosta escalera de piedra que conduce a una habitación donde se encuentra el guía espiritual que había escogido. El lugar era muy modesto, apenas había un jergón y una silla que servía de velador. El visitante quedó confundido, lo que sus ojos estaban viendo excedía cualquier pobreza imaginable. Saludó y preguntó: “Maestro ¿dónde están sus cosas?” “¿Y las suyas? respondió el dueño de casa. “Estoy de paso” dijo el turista. “Yo también estoy de paso por el mundo” dijo el maestro.

Está sensación de estar de paso en la vida es muy aguda entre los pensadores desde el Sócrates que conocemos por Platón, hasta el Heidegger que podemos citar a través de sus propios escritos. El hombre es un ser para la muerte y lo sabe Séneca que aconseja a Lucilio o Dino Buzzatti que escribe El desierto de los tártaros describiendo a un oficial que se prepara toda la vida para el combate que pareciera que nunca va a llegar, pero cuando ocurre, prescinde del personaje que, enfermo, está en la antesala del tránsitodefinitivo.

Antes del último viaje, la naturaleza y Dios han puesto la vida. Y podemos usarla hasta el último minuto. Cuando Sócrates, un día antes de beber la cicuta, recibe la visita deCritón y éste le manifiesta pena por su pronta muerte, responde al amigo que todavía tiene algo qué hacer, que debe un gallo a Esculapio, que por favor atienda esa obligación. Al día siguiente, habiéndose negado a escaparse de su prisión, Sócrates continúa hablando y lo hace todavía en los últimos minutos, después de haber bebido la ponzoña. Entonces el verdugo le dice: “Sócrates, no hables, eso perjudica la acción del veneno, la hace lenta, tu muerte será más dolorosa”. Y Sócrates le respondió: “Has cumplido tu tarea: darme el veneno. Mi labor es hablar hasta el momento de la muerte.”

Lo dicho hasta aquí apunta a señalar algunas de las características de la poesía de Adelia Prado, la poeta de Brasil que poco a poco va haciéndose firmemente conocida en el ámbito de la lengua española merced a las versiones trabajadas durante muchos años por José Francisco Navarro, a quien con justeza podemos señalar como uno de los escasos especialistas peruanos en la literatura escrita en lengua portuguesa. La escritora subraya en sus versos la precariedad del ser humano, lo breve de su permanencia en la tierra. Sus poemas mismos son “Bagaje” algo que se lleva de un lado a otro, lo indispensable. Está lejos de la copiosidad de Whitman o de Neruda o del propio Bandeira, al que tanto admira. Aquello que escribe le es indispensable, es una excrecencia de su personalidad, algo que le es necesario. Como Sócrates sabe que la obligación de los humanos es hablar, el hombre es fundamentalmente el logos, el discurso que da razón de las cosas. Mientras estamos vivos tenemos que hablar, pero la poeta habla con prudencia, perora de lo que sabe, de las pequeñas cosas que la rodean y que dan sentido a la vida cotidiana, desde un amor feíto, hasta cocinar y golpear el hueso en el plato para llamar al perro. La poeta cumple el rol de hablar mientras esté viva, se identifica con esa labor y pide a Dios, como antaño pidió Hölderlin un verano a las parcas poderosas, un tiempo detenido en la infancia, para quedarse ahí con esa permanente satisfacción y esa curiosidad de los niños. Infancia: patria pode- rosa. Un hálito de infancia, de mundo bien hecho, de sosiego inunda los versos de Adela Prado. Y así como su ciudadDivinópolis ha quedado como infancia de las metrópolis, Sao Paulo, Río, Brasilia, así la poesía de Adela Prado, tranquila, proyectiva, metafísica, es un estado diferente a la poesía angustiada de las avenidas y parques ululantes de las ciudades contemporáneas. Su propia ciudad y la poesía que escribe parecen de otro tiempo, de una edad pasada, pero también, y esto es más difícil de ver, pertenecen a un futuro deseable. Y así como las grandes urbes mejoran sus espacios en las periferias que recuerdan los pueblos, pobladas de jacarandás y buganvillas, y palmeras y algarrobos, la poesía del Brasil rica y variada desde Gregorio de Matos y Gonçalves Dias, Crus e Sousa y Mario de Andrade, Ribeiro Couto o Murillo Mendes y Carlos Drummond de Andrade, ad- quiere una tonalidad diferente, insólita con la original poesía de Adela Prado.

La literatura del futuro, escribía Italo Calvino, pensando en el milenio que estamos comenzando, ha de ser breve y concentrada, como son breves y concentrados muchos de los cuentos de Kafka. Así, breve, concentrada, frágil como la aventura humana, llena del coraje que viene de su fe cristiana, de su frecuentación a esos místicos que trabajaban, Santa Teresa y San Juan, y de ese contemplativo que adoraba a las creaturas, San Francisco de Asís, es la poesía de Adela Prado. Expresamos aquí nuestra gratitud para ella por lo que escribe y a José Francisco Navarro por haber vertido esta lírica a la lengua de Cervantes y de Vallejo.



Lima, 7 de junio de 2009 

Marco Martos

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Presentación 
Cuando mi amigo José Francisco Navarro me pidió unas palabras de acompañamiento a su traducción de la poesía de Adélia Prado, acepté de inmediato. Yo había visto sus traducciones de la poeta brasileña y me había sorprendido la sensibilidad, el conocimiento y el amor de él por esa obra lírica que, por supuesto, tuvo la gracia de descubrir para mí. 
Pero luego vino la hora de una verdad contundente: ¿qué podía decir yo que José Francisco no hubiera vislumbrado en su excelente ensayo sobre esta poeta,L a mística de la vida cotidiana en la poesía de Adélia Prado? 
La poesía de Adélia Prado (Divinópolis Minas Gerais, 1935) es una poesía que sorprende en el horizonte poético brasileño de la segunda mitad de siglo. 
Sorprende por una verdad que se transmite más allá o más acá de lo estrictamente poético brasileño de la segunda mitad del siglo (y decir esto, en poesía, donde la palabra y su articulaciónrelacionante configuran, en primera instancia, la verdad de todo texto, es arriesgado). 
Situada entre una doble influencia, la del  prosista inventor Joâo Guimarâes Rosa, autor de una obra sólo comparable, tal vez, al Pedro Páramo de Juan Rulfo, Grande Sertâo: Veredas, y la del extraordinario Carlos Drummond de Andrade, autor de una obra sin comparación en la América Latina de habla hispana, el lenguaje de Adélia Prado se diría que eligió bien a sus maestros. 
Ahí están la capacidad de invención verbal y la devoción por lo cotidiano. Sin embargo, la invención verbal en la poesía de AdéliaPrado no está sujeta a una sustitución lingüística del mundo, tan cara a la idea de la poesía experimental de este siglo y que, en Brasil, tiene como ejemplo a Haroldo y Augusto de Campos y al mismo Guimarâes Rosa, en su vertiente de prosa inventiva tan cercana a James Joyce. La invención verbal en Adélia Prado está en la libertad del habla poética cuando supera toda preceptiva, toda filiación canónica (aun en el canon de producción lingüística de la poesía experimental). 
De este modo, Adélia Prado puede crear en un mismo texto espacios de oscurecimiento que coexisten con la celebración de esa claridad cotidiana que es arrojada, como luz, sobre los objetos o sobre las vivencias más rutinarias. Un habla elíptica, producto de un hablante que pasa por encima de las normas gramaticales para entregar su fundamento: la expresividad. 
La poesía de AdéliaPrado es, sin duda, una poesía que tiene como centro emisor, como necesidad fundante, la expresión. 
Esto no la distinguiría de una voz lírica tradicional de la poesía pre-moderna, donde la necesidad de manifestación de ese “yo profundo” salta la barrera de la autoconciencia verbal para incorporarse como verdad pre-textual. 
En Adélia Prado, en cambio, la voluntad expresiva está acotada por el conocimiento de una poesía crítica a la que a veces acepta y a veces rechaza, poniendo de manifiesto que la invención lingüística puede ser, también, y a grados superlativos, una prisión del alma que busca trascender su materialidad.  Aquí está, entonces, en mi opinión, algo así como una característica luminosa de la poesía de Adélia Prado: la conciencia de que la materialidad del texto poético –muy fuerte en el tramo de la poesía modernaposmallarmeana- puede coincidir, en su hiperconciencia, con una cárcel que encierra perpetuamente toda posibilidad de expresión. 

Eludir esa prisión de la expresión sin desoír su conocimiento y, aun, su necesidad, es la contradicción con la que el lenguaje de Adélia Prado se presenta.  No se trata de un olvido o de fingir no saber con qué reglas de juego actúa la poesía contemporánea. 
Pero sí se trata de sortear, como espiral ascendente, las provocaciones de ese  cercamiento.  En otro lugar, en su brillante tesis sobre la poesía de Adélia Prado, Navarro profundiza lo que en estas líneas son intuiciones de lectura. 

Es ese comprender, ese descenso a la altura, esa capacidad de penetración en el universo poético de Adélia Prado lo que vuelve ejemplar esta traducción.  Se trata de reconstruir, en castellano, un lenguaje poético que deconstruye, desde la expresión de una insobornable cotidianidad trascendente, las reglas del juego lírico. 
Pero se trata de un reconstruir la deconstrucción, sin normalizar ese desarreglo de la poesía de AdéliaPrado, lo que entrega Navarro a los lectores de habla hispana.


Eduardo Milán

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Capas d'O coração disparado


Dando continuidade à coleção das edições dos livros da Adélia, apresento aqui a concepção de capa de todas as edições d'O coração disparado. Caso você conhece alguma outra, por favor me diga! Até a próxima!

PRADO, Adélia. O coração disparado. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
_____________ O coração disparado. 3a ed. Rio de Janeiro: Salamandra, 1984.
_____________ O coração disparado. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.
_____________ O coração disparado. 2a ed. Rio de Janeiro: Record, 2012.


sábado, 17 de maio de 2014

O coração disparado


Dando continuidade aos posts anteriores, trago, dessa vez, aos leitores adelianos, o prefácio do segundo livro publicado pela Adélia: O coração disparado - livro que, aliás, foi agraciado com o premio Jabuti, em 1978. O prefácio escrito por Affonso Romano de Sant’Anna, traz detalhes sobre o início da carreira da poetisa e um olhar equilibrado sobre a sua obra no cenário da literatura brasileira. Sem dúvida, um texto que daria muito o que falar em um grupo de pesquisa! Se quiser, deixe seu comentário a respeito e até a próxima!

Adélia: A mulher, o corpo e a poesia
 (Affonso Romano de Sant’Anna)
Não farei um prefácio acadêmico, ou, pelo menos, tentarei fugir ao máximo de uma conversa solene para instalar um clima semelhante ao criado pelos poemas de Adélia Prado. A rigor, quem poderia fazer um magnífico texto sobre essa poetisa, era Mário de Andrade. Mas houve um desencontro histórico. Nem o Modernismo teve o privilégio de ter Adélia Prado entre suas poetisas nem Mário de Andrade sobreviveu para nos ensinar a ver melhor as soluções para a poesia brasileira, prisioneira de falsos dilemas nesses últimos vinte anos. 
Isto posto, vou lembrando que há cinco anos recebi de uma desconhecida poetisa do interior de Minas um maço de poemas, entre batidos a máquina e manuscritos. Aquele era um período particularmente precioso e agitado para mim. No Jornal do Brasil mantinha o “Jornal de Poesia” recebendo uma média de dois mil poemas por mês. Na mesma época organizava a Expoesia 1 (PUC/RJ), Expoesia 2 (Curitiba) e a Expoesia 3 (Nova Friburgo). Estava, portanto, num mar de poesia, redescobrindo na escrita jovem um autêntico gesto de abertura estética e política que correspondia a outras “aberturas” no plano institucional. E eu ia lendo os textos da moça e me assustando e me entusiasmando. A danada tinha uma força estranha e o que escrevia escapulia do que eu conhecia em nossa poesia. 
Ora, nos últimos vinte anos a poesia brasileira tinha ficado esquartejada na disputa entre meia dúzia de grupos que se engalfinharam (dentro e fora do país) na luta pelo poder (literário). De alguma maneira era até monótono ler livro de poesia. A gente pegava um texto e só tinha duas alternativas: ou encontrava alguém filiado a uma das estéticas do momento ou então ia encontrar uma desinformação quase total do que fosse poesia. Entre os vanguardistas de um lado e os alienados de outro nada de muito relevante sucedia. Adélia, percebia-se, tinha feito suas leituras, transparecia uma coisa de Guimarães Rosa outra de Drummond, mas estava falando definitivamente na primeira soa. Assistente de história da filosofia na faculdade de Divinópolis, na hora de escrever não filosofava, seguia aquele conselho de Mário, caía de quatro, com todas as vísceras no chão. Vários poemas me comoveram. Falei com Marina. Não aguentei e telefonei para o Drummond: Mestre, acaba de aparecer uma poetisa no interior de Minas. E isto eu dizia como um astrônomo no observatório nacional, feliz com uma nova possibilidade de vida fora de mim, do que conhecia, do que lia. Li para ele aquele “Briga no Beco”. Tomei outras providências: separei alguns textos e mandei para a redação do Suplemento Literário de Minas Gerais. 
Daí para a frente as coisas assumiram a força que já tinham. Eu continuava em minha batalha pela poesia jovem e ia fazendo força para abrir espaço para a voz de uma nova geração. Um dia, Pedro Paulo de Sena Madureira, ainda então na Imago Editora, me anuncia evangelicamente que ia publicar um livro de uma poetisa do interior de Minas. Falei: só pode ser Adélia. Era. O livro já em fase final, em breve era lançado como merecia. Um esplêndido prefácio de Margarida Salomão, uma noite de autógrafos no Rio ao lado de Rachel Jardim e Antônio Houaiss, Adélia ali em meio àquele mundão de gente assinando livro até para Juscelino Kubitscheck. E veio um almoço para ela e José na casa de Drummond, outro lá em casa e coquetel no apartamento de Rubem Braga. E Adélia ali, inteira e mineira pedindo tantos autógrafos quantos dava. E veio notícia na TV, páginas em O Globo e na Nova, resenhas por toda parte. Lançamento em São e uma tremenda festa em Divinópolis. Adélia realizava aquilo que todo estreante sonha. Ela não precisava mais ser aquele que 
poeta obscuro aguarda a crítica
e lê seus versos as três vezes por dia,
feito um monge com seu livro de horas.
Podia, antes, cumprir aquela promessa: 
Quando escrever o livro com o meu nome
e o nome que eu vou pôr nele, vou com ele a uma igreja
a uma lápide, a um descampado,
para chorar, chorar, e chorar,
requintada e esquisita como uma dama. 

Voltando a Divinópolis, cumprida a promessa, ela retorna: “Eu fiz um livro, mas oh meu Deus / não perdi a poesia”. E conclui reachando-se no seu cotidiano no interior de suas paisagens: 
Meu livro sobre a mesa contraponteava exato
com os pardais, os urinóis pela metade,
o antigo e intenso desejar de um verso.
O relógio bateu sem assustar os farelos sobre a mesa.
Como antes, graças a Deus.
Adélia, que já se definia como “mulher do povo”, que faz a própria comida, que aos domingos bate o osso no prato pra chamar o cachorro e atira restos, constitui um “caso” em nossa poesia. Não quero fazer aquelas frases de efeito, que depois são desmentidas pelo tempo. Frases como aquela que fizeram sobre Vinícius de Morais na década de 30 — de que ele era o último grande poeta modernista; frase que ele atualizou, e nos anos 70 passou para Gullar, com o mesmo exagero, ao dizer que o maranhense era o último grande poeta brasileiro. Isso lembra de alguma forma algo que Clarice Lispector vislumbrou: há frases que contêm mais beleza do que verdade. E porque pertenço eu também a uma civilização que se compraz em frases, vou lá cometendo o mesmo erro que incrimino: Adélia Prado é a Clarice Lispector de nossa poesia. Aproxima-as primeiramente este fato: ambas já nasceram (ou surgiram literariamente) com uma linguagem pronta. Mas isto não é tudo. Um escritor pode inventar um trejeito retórico, patentear isto e achar que tem uma linguagem. Falo aqui de algo comum às duas escritoras: aquela maneira de pegar a gente pelo pé e deixar a gente prostrado e besta com uma verdade revelada. Aquilo que se poderia chamar de “epifania” — a revelação abrupta de uma verdade desnorteante. Adélia pertence à raça dos mágicos e, diria, bruxos, se não a soubesse católica com uma fè de fazer inveja ao vigário. 
Pois bem. Naqueles idos de 1975 quando Adélia publicou Bagagem, fazia eu resenhas para a Veja, e indiquei algumas das características de sua poesia. Devia-se entender que o sucesso de Adélia não se devia somente às notícias, à ousadia do editor ou aos bons fluidos de sua presença física. Mas também e principalmente à força irracional e aliciadora de sua poesia. Porque o primeiro mérito de seus versos é pular por cima dessa poesia cerebral e enjoada que fez o Brasil nos últimos cinco anos e assumir um tom mágico e fantástico, que recria a vida no interior mineiro através de uma dicção inovadoramente feminina. 
Na verdade, trata-se da voz mais feminina de nossa poesia até hoje Adélia não usa uma linguagem de empréstimo ao, até hoje. Adélia não usa uma linguagem de empréstimo aos homens, nem repete pieguices em torno de imagens de noite-lua-canto-rosa-mar-estrela-solidão. Assim ela cruza os seus textos com os de Fernando Pessoa, Guimarães Rosa e Drummond, mas para assinalar uma diferença. Veja-se o antológico poema que abre seu primeiro livro: “Com Licença Poética”, onde retoma a personagem gauche de Drummond, mas para marcar pelo avesso a sua trajetória, mesmo sabendo ser esse um “cargo muito pesado pra mulher / esta espécie ainda envergonhada”. 
A verdade de sua experiência feminina é completada pela fidelidade à sua paisagem ambiental. Lá estão as comadres, as santas missões, as formigas pretas, o angu, as tanajuras, as pessoas na sombra com faca e laranja. Embora pudesse se mostrar pedantemente culta a autora se expõe visceral: “feito água no fundo da mina, levantando morrinho de areia”. Mais que meramente “feminina” e “telúrica” a poesia de Adélia vem do sertão. Do sertão não apenas como distância e mato, do sertão que deixa de ser mineiro para ser uma categoria cósmica. Exatamente como o mestre nesses assuntos, Guimarães Rosa, disse: há autores como Tolstoi, Goethe, Balzac, que nasceram no sertão. Ao passo que outros lógicos e racionais como Emile Zola vêm de São Paulo. 
Isto é o que eu dizia naquele artigo. E ainda assino. E se eu pudesse ir somando alguns aspectos dessa introdução eu diria: além do mérito de romper com as poéticas vigentes na época e instaurar seu próprio e único modo de dizer, a poesia de Adélia um aspecto do interior brasileiro, que é universal e foi praticamente desprezado até então. O Modernismo, realizando aquela desmontagem dos preconceitos e mitos sobre nossa “história”, desenvolveu o “poema piada”, que na verdade era uma forma perversa contra de interpretar o Brasil. Uma vingança do provinciano contra ele mesmo. Só aos poucos os nossos poetas foram aprendendo a amar o Brasil de uma forma menos adolescente, mais adulta. O próprio Mário de Andrade se penitenciou disto. E vejam a diferença entre os poemas irônicos de Drummond no princípio da obra e esses dos últimos livros, cada vez mais amorosos com a província, vendo coisas que o provinciano, ali, jovem e imaturo, não podia valorizar. 
Um dos problemas maiores para o artista é descobrir o que é seu e só seu, seu modo pessoal e intransferível de ver o mundo. Me lembrava Autran Dourado, certa feita, que havia lido um poema de vanguarda de um poeta (também do interior de Minas), de uma dessas cidadezinhas realmente mínimas, onde talvez pouco mais houvesse que um jornal e a luz de gás neón na praça. Pois o poeta começava dizendo: chega de cibernética! Parecia um poeta em Nova York. 
Adélia, não. Está ali pisando no seu chão. Com um caderno de poesia ao lado do fogão. Dizendo aquelas coisas que não fica muito bem a um intelectual dizer: “Eu cumpro alegremente minhas obrigações paroquiais / e não me canso de esperar”. Ali vai sentindo “o cheiro da flor de abóbora”, onde “o perfume das bananas é escolar e pacífico”. Olhando o mundo grande a partir de seu pequeno mundo ela é uma ponte entre os seus e o resto: 
Dos meus, só eu conheço o mar.
Conto e reconto, eles dizem “anh”
E continuam cercando o galinheiro de tela.
Essa poetisa, que está exorcizando a província de suas vergonhas, também se rejubila com a condição daquelas que descobrem a alegria da vida nos menores e “desprezíveis” afazeres do dia-a-dia: 
Exibo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso e no entanto
sustentam os pilares do mundo, porque mesmo viúvas
                                                                          dignas
não recusam casamento, antes acham o sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar uma tira no
                                                                          cabelo
e varrer a casa de manhã.
Uma tal esperança imploro a Deus.
Já estou por aí começando a comentar a terceira característica que me agrada nessa poesia. Além de ter instalado Uma linguagem sua e além de ter se enraizado em sua paisagem natural, Adélia descobre a mulher concreta dentro de si mesma, além das ideologias, além dos preconceitos, e assume uma eroticidade que, de repente, faz ressaltar a eroticidade ausente de nossa "poesia feminina" convencional. Nesse sentido, ela, lá em Divinópolis, está ao lado das mulheres de sua geração, redescobrindo a seu modo um espaço erótico e vital, que algumas poetisas jovens, ligadas ao que se convencionou chamar de "poesia marginal", também andam fazendo: a redescoberta de uma linguagem que se afasta da maneira masculina de ver o mundo, um modo de escrever sem pedir de empréstimo os lugares comuns da ideologia social e literária. Não e só a maneira de dizer, é a maneira de sentir, que as duas coisas vem juntas: 
Até hoje sei quem me pensa
com pensamento de homem!
A parte que em mim não pensa e vai da cintura aos
                                                                       pés
reage em vagas excêntricas,
de um vulcão que fosse ameno,
me põe inocente e ofertada,
madura pra olfato e dentes,
em carne de amor, a fruta.
Trata-se de ir descobrindo, mais que isto, des-velando o sexo das trapaças cotidianas e recolher a todo instante a vida que recalcamos. Imaginem uma poetisa-de-bom-tom, há alguns anos, dizer uma coisa dessas:
fazia tarde bonita quando me inseri na janela entre
                                                                meus tios
e vi o homem com a braguilha aberta
o pé de rosa-doida enjerizado de rosas
Sexo é o que há de mais cotidiano. Daí que na modernidade dessa poesia não se espera o surgimento de cavaleiros conduzindo rosas em cavalos medievais vitoriosos. A mulher está ali olhando um homem comum – um rapaz que palita os dentes, só tem escola primaria, fala errado, come bife com arroz, rodela de tomate,“mas tem um quadril de homem tão sedutor / que eu fico amando ele perdidamente”. E dessa liberação do desejo a quente confissão: 
Ele esgravata os dentes com o palito.
Esgravata é meu coração de cadela.
Essa é a mulher fêmea, mas que não pertence mais àquilo que ela chamou de “espécie ainda envergonhada”. E, ao meio-dia, a emoção surge não apenas ao nível da natureza, quando “ao meio-dia deságua o amor”, mas ao nível do natural: 
Quero braceletes
e a companhia do macho que escolhi.
Há dias me ocorreu uma observação. Onde está a família do poeta brasileiro? Aliás, onde está a família dos escritores e artistas em geral? Onde está a mulher e onde está o marido? Existem? O que vemos são muitas noivas e noivos, amantes, muitas. Mas cadê a casa, amor, esposa, cadê esse mundo burguês que a maioria de nós coabita? De repente, me parece que Adélia é a primeira poetisa brasileira que tem marido e filhos, que cuida da casa, tira poeira, traz legumes da horta e tem alucinações eróticas. Na poesia, em geral, o que há é a descrição da família anterior do poeta: a mãe, que morreu e era uma santa; pai também morto, que era um forte. A família é uma ausência. O poeta está preocupado com grandes temas: o povo, o futuro da sociedade e o futuro da poesia. O poeta surge usualmente como o des-família, o homem-ilha. Em Adélia também tem pai e mãe. Mas sobretudo tem lá o marido, a casa, seu corpo e sua relação mística e erótica com sua comunidade. Ela sabe que “a bacia da mulher é mais larga do que a do homem”: 
Me apaixono todo dia,
escrevo cartas horríveis, cheias de espasmos
como se tivesse um piano e olheiras,
como se me chamasse Ana da Cruz.
E o desejo se estende: 
Me tentam a beleza física, forma concreta de lábios,
sexo, telefone, cartas
o desenho amargo da boca do Ecce Homo.
E assim vai se desenvolvendo esse desejo entre místico mas sempre concreto: 
Preciso me confessar ao homem de Deus:
cometi gula, ansiei pelos detalhes das fraquezas alheias
e mesmo tendo marido explorei meu corpo.

Assim se poderia ler e ir citando, não achasse eu melhor próprio leitor descobrindo esse livro. Leiam aquele poema “Entrevista”, que começa assim: 
Um homem do mundo me perguntou:
o que você pensa do sexo?
Uma das maravilhas da criação, eu respondi.
Ele ficou atrapalhado, porque confunde as coisas
e esperava que eu dissesse maldição,
só porque antes lhe confiara: o destino do homem é a
                                                                santidade.
O que existe nessa poesia é uma contagiante alegria de estar viva, embora todas as perplexidades e um certo tom patético. Mesmo os "palavrões" surgem aí tão naturalmente que pode o leitor até nem percebê-los. E aí, aliás, outro traço de modernidade dessa poesia, valendo nova comparação: o Modernismo com todas as suas liberações não conseguiu ser licencioso a não ser com a gramática; o corpo foi pouco dessacralizado; a língua, embora cheia de solecismos e barbarismos, continuava casta e burguesa. Hoje, que o chamado palavrão entrou no cotidiano de nossa vida e as mulheres o usam, roubando mais um setor da linguagem que os homens controlavam, é natural que se escreva como se fala, porque se fala como se vive. 
Fazer prefácio ou apresentar um autor é um gesto perigoso. A gente pode atrapalhar a leitura alheia. E esse livro cresce mais a partir do prefácio. Este é um livro alegre, porque vital. Lírio e a esfuziante. Moderno e cotidiano. Real. Não tem o pecado da mentira, não tem o pecado da tristeza. Bem ela advertiria: 
Quisera lamuriar-me, erguer meus braços tentada
a pecar contra o Santo Espírito.
Mas a vida não deixa. E o discurso
acaba cheio de alegria. 

terça-feira, 6 de maio de 2014

Capas de Bagagem



Venho me interessando bastante pela concepção de capa dos livros adelianos. Apresento acima as capas das diferentes edições de Bagagem e a referência de cada uma delas. Caso vocês conheçam outras capas, por favor, contribuam. E, aos leitores que desejarem as imagens em maior definição, basta deixar um recadinho aí que envio por e-mail! 

PRADO, Adélia. Bagagem. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
_____________ Bagagem. 3a ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1979.
_____________ Bagagem. 4a ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
_____________ Bagagem. 3a ed. São Paulo: Siciliano, 1993.
_____________ Bagagem. 29a ed. Rio de Janeiro: Record, 2010.

Bagagem (1a edição) II


Dando continuidade ao post anterior, apresento aos leitores interessados o prefácio que compõe a primeira edição de Bagagem (1976). O texto leva a autoria de Margarida Salomão  que, sinceramente, não sei dizer, ao certo, quem é... , mas que escreve um prefácio muito rico sobre a estréia a autora. Espero que gostem!
PREFÁCIO
Toda mirada retrospectiva sobre o fazer poesia no Ocidente registra o percurso de um esvaziamento. Solidária com o princípio de sua exclusão da vida  devido à prevalência das condutas objetivamente orientadas e/ou determinadas pela eficiência , a poesia vem-se mais e mais recusando a expressão do mundo. Mesmo que se possa saudar essa pedra de uma centralidade ontológica como legítima aproximação do Ser (o vértice vertiginoso de Heidegger), há que verificar materialmente quais sobras uma tal atitude implica. 
Data de pouco mais ou menos duzentos anos o agravamento da crise da cultura do Ocidente imbricada no alvorecer da época moderna. Marginal na marcha das vivências sociais, submetida ao primado da instrumentalidade, a arte, em especial, a literatura, instaura com o Romantismo seu projeto de prática desviada. Arrebatada no conflito romântico por excelência  a bela alma contra a objetividade degradante , à poesia confia-se missão psicofônica: exprimir o único conteúdo digno de exprimir-se. Veículo de alma a alma, a poesia teve que armar-se de carnadura adequada; em qualquer hipótese, uma carnadura não comprometida com os poluídos canais da comunicação pragmática. Entre tropeços, equívocos e recomeços, o desígnio aludido - o da especificidade da comunhão intersubjetiva - vai elaborando a transposição do lugar do desvio: da alma do poeta ao texto do poema. Todas as aventuras da criação poética, do século passado ao nosso, cometem-se, na intenção de obter uma filtragem do cotidiano burguês alienado, que põe a poesia ao desabrigo. A opção pelas vanguardas racionais ou irracionais consuma afinal o mesmo processo: a produção de uma linguagem pura. A discursividade da enunciação romântica logo a torna suspeita de acoplagem com as tessituras presididas pela racionalidade. Então é preciso fazer emergir as estruturas elaboradas pelo insconsciente (ver a "escritura automática" do Surrealismo) de modo a retomar a comunicação alma a alma, sem a consciência "integrada" de permeio; ou então é preciso fazer uma consciência alertíssima sentinela para as possibilidades de reintrodução do discurso impuro ("ideológico")  e tome-se humour, paródia, metapoesia, o diabo. Em termos amplos, o nume sob cuja égide se executa a depuração é Mallarmé – sacerdote da eventualidade do texto entre outros textos, do texto da página em branco. Em breve a linguagem  depurada torna-se efetivamente pura linguagem: a página branca descoberta ameaça engolir o poeta todo. 
A poesia, transfigurada em trincheira do jogo e do prazer, reconcilia-se com sua vocação essencial; mas o prosseguimento indeterminado dessa situação não ocorre impunemente. O assumir de uma discrepância "legítima"  de Rimbaud a Pound  e a recuperação da dimensão orgiàstica (carente na vida) pela consagração da forma, eis as atitudes debilitadas pelo devir de poderosas contrafrações. Os procedimentos de autognose efetuados pela linguagem poética  a constatação da fatalidade do seu ser-emtrânsito  descambam nos piores maneirismos. A postura desviada do texto dá lugar a cabotinismos inacreditáveis, em que a veleidade da argúcia crítica tem o demárito de aniquilar a mínima autocrítica.
A poesia brasileira contemporânea vem sentindo agudamente o risco dessa degradação que, aparentemente, recobre um esgotamento de caminhos. (A panorâmica, em o sendo, antecipadamente penitencia-se.) De Drummond a Cabral  obras maiores, que recobrem o melhor Oswald e o melhor Murilo  nutri-se a tradução recente, a tradução viva. Como continuar sem repetir? (E mais crucial: como continuar sem desvirtuar?) 
Nesse horizonte de impasse é que emerge a poesia brutal, maravilhosa e surpreendente de Adélia Prado. A obra, aqui, não se esvai em dessangrado mil mirar-se; pelo contrário, aqui a obra mira ultrapassando a assimetria do olhar. Seu mirar é um mirar de espelho: pôr-se diante do mundo e absorvê-lo. Vale indagar como tal singularidade se constitui. 
Um primeiro destacamento da produção que imediatamente a precede:o nível intencional, que que, à semelhança de todos, também se elabora um projeto poético, ocorre nítida distinção relativamente ao processo de construção da subjetividade-personagem e ao papel atribuído à poesia. O poema inalgural do livro Bagagem, que se contrapõe "Com licença poética" ao poema inaugural drummondiano  o "Poema de sete faces" -, recusa explicitamente a missão de ser coxo/gauche na vida. Acatando os limites de uma outra caracterização crucial  a condição mulher - o personagem Adélia Prado acena com a possibilidade de alternativa: a de ser desdobrável. Que extraordinário desígnio é esse, bom o bastante para deslocar uma vertente cultural poderosa, que passa por Drummond, mas se radica no Romantismo? Trata-se de uma sina essencialmente corpórea, carnal: estar no mundo não implica recusá-lo  na melhor hipótese, esquivar-se dele; antes implica uma comunhão sensorial com as coisas, aquela proporcionada pelas "sensibilidades sem governo". Além do mais,comungar com o mundo é admitir-se elo numa cadeia, carnal de perpetuidade da espécie: "semente". Do ponto de vista do fluxo natural da vida, vale inclusive notar ("Círculo") que a poesia é indispensável. Por isso toda uma vertente imagética, relacionada ao desdobramento do corpo ou da espécie (o ovo, a semente, o oboé, a música barroca), reveste-se de importância estruturante. É supérfluo ressaltar o quanto essa concepção do poeta e da poesia destoa da concepção dominante na poesia moderna.  O diálogo com Drummond  que se reitera - está longe de ser um diálogo servil: reconhecendo expressamente ("Todos fazem um poema a Carlos Drummond de Andrade") a força da palavra do Poeta Nacional, a palavra de Adélia Prado articula com a dele sutil dicotomia. 
Prosseguindo arguição no nível intencional da obra, cabe indagar da necessidade de poesia nesse mundo que, de tão suficiente, pode dispensá-la. A descoberta da necessidade da poesia corresponde a uma anterior constatação: o mundo é suficiente, mas não é perfeito. De duas carências resulta nossa fome  fome universal  e a fome do poeta ("Ave, ávido"), o ser superiormente sensível. O pensamento da felicidade associa-se ao desejo de "um mundo tão pequeno como o que tem nas mão o Menino Jesus de Praga". Mas o mundo é muito maior, desdobra-se; o canto de plena louvação da vida se interrompe na consideração do absurdo, a morte: "não pode ser verdade que/tanto afã escave na insolvência" ("Pistas"). A meditação da finitude, digna da mais alta reflexão contemporânea, é o estável horizonte dessa poesia: finitude não apenas como cessação inexorável da vida, mas igual finitude como perda inexorável da experiência vivida. A uma e outra matéria contrapõe-se um imaterial substitutivo: a memória. De fato, a essa faculdade humana uma parte da obra ("A Sarça ardente" I e II) é especificamente dedicada. Mas, se nesse conjunto encara-se a memória expressamente como fator constitutivo, é em toda obra que ela desempenha seu papel de provisão de fundamento/substância. 
Entretanto nos enganaríamos se concluíssemos da contemplação do universo poético de Adélia Prado que a missão por ela atribuída à poesia é a do resgate do perdido. Uma tal afirmação é incongruente com uma vocação inicialmente descortinada: a da exaltação carnal ("procuro sol, porque sou bicho de corpo. Sombra terei depois, a mais fria"). A perda, dolorosamente sentida, é encarada do ponto de vista de uma "fé sem dúvidas": "ao apodrecimento cuidadoso do corpo" sobreviverá a ressurreição da carne incorruptível. A palavra de Deus é o penhor de uma vida pós-morte, idêntica a essa nossa, só que "sem ruindades" ("Fé"). 
É-nos dito claramente no poema “O Reino do céu”: “Quando eu ressucitar o que quero é/a vida repetida sem o perigo da morte.” É impossível separar esas conviocções teológicas da concepção da poesia em Adélia Prado: não há poesia sem a possibilidade da ressurreição da carne (“a poesia, a mais ínfima, é a serva da esperança” , em "Tarja"). Entretanto, não há a possibilidade da ressurreição da carne sem a poesia: os doutores da lei se confrangem diante de uma catecúmena heterodóxa, cheia de fé e ávida. A elaboração do modo poétivio se tece paralela à consciência de que "a poesia me salvará" ("Guia"): a poesia permite, ou é o médium dessa fé (na preservação da carne). Por ela faz-se entendida a Paixão: "que outra coisa ela é senão Sua face atingida/ da brutalidade das coisas?". Assim como a face de Cristo padecerá também das "sensibilidades sem governo", ao poeta é concedido não descansar e ser por tudo ferido de morte ("Anunciação do poeta"). No entanto, como, para Adélia Prado, "dor não é amargura", o poeta "cheio de dor" é o arauto das "tristezas maravilhosas" ("Atávica": "Por prazer da tristeza eu vivo alegre."). 
Uma compatibilidade é atingida: a consciência do absurdo não aniquila a esperança e a poesia é fiadora fiadora de sua permanência. (Imagem crucial a das sempre-vivas no poema "Solo de clarineta".) Sintomaticamente, o poema que se chama "O Modo poético"  afinal a metapoesia, descobrirão contentes os estudantes de letras  é o discurso da íntima conciliação da morte e da, vida, porque esta última é muito maior do que a primeira, e tem o poder de tudo recompor. E a poesia? perguntaríamos perplexos a Adélia Prado. "Que a fonte da vida, é Deus,/ há infinitas maneiras de entender", há de responder-nos sua sabedoria. 
E enfocado o nível intencional, um elemento é meridianamente flagrável: estamos diante de uma poesia religiosa, talvez a mais autêntica em língua portuguesa. Não se trata da imposição de um modelo institucional externo (a fé católica) sobre a feitura do texto: trata-se de uma magnífica tessitura recíproca da poesia e da religião. O divórcio com as poéticas contemporâneas, é evidente: ao invés de carpir sobre a falta de solidão, ou mesmo ao invés de propor alguma solução, tudo o que temos é dissolução mística.
Por outro lado, tão diversa na instância do projeto, enquanto realização a linguagem de Adélia Prado deslumbra pelo perfeito cometimento de algumas das reclamadas disposições formais contemporâneas. 
Entre estas, a mais definitiva e o fazer ideogrâmico. (Ezra Pound reencontrando os clássicos chineses em Divinópolis: no ABC of reading é-nos ensinado o vermelho; Adélia Prado ensina o amarelo e o roxo.) A proclamada adesão ao sensível – estrato ideológico dessa poética – consuma-se no amoroso artesanato do significante. Acompanhando  provavelmente sem sabê-lo  uma tônica insistentemente requerida pelas estéticas contemporâneas, produz-se extirpação absoluta do teor conceitual: o solo ontológico, de fato existente, chega-nos como imagem. A utilização reiterada de adjetivações cromáticas resulta semanticamente codificada, manifestação radiosa dessa "lógica do sensível" que a verdadeira poesia logra ser: o amarelo, "que engendra", inscreve-se no fulcro temático dos "desdobramentos” da vida; o roxo, que "trava", perfeita oposição do desdobrar-se, inscreve-se no fulcro temático da cessação da vida. A associação harmônica roxo-amarelo espelha uma outra harmonia. (Como a "Um Salmo” associa-se o “Bendito”, simétrica correspondência.) 
No poema “Os acontecimentos e os dizeres”, assoma a definição crucial: "As palavras só contam o que se sabe." De alguma forma "quem disser (...), está repetindo." Buscaríamos aí uma evidência da subserviência da linguagem, se afinal "o mais são as mal-traçadas linhas"? Na verdade, não: o que devemos aprender é que a descontinuidade entre palavra e coisa, detectada por Foucault no século XVII  descontinuidade que é responsável pela gestação de tantos desequilíbrios: ora a palavra é maior que a coisa, ora a coisa é maior que a palavra , essa descontinuidade simplesmente é abolida pela obra e graça de Adelia Prado. As palavras, então, são tratadas como coisas:específico é o som de que dispõem; particular a estrutura que fiam. Os fragmentos das conversas dispersas, estes também são poesia: como em Oswald, mas diversamente. Para Oswald. Para Oswald o discurso modificava a falência deste: a fala reportada sobrevem como citação/ paródia, e seu ser se dilui. Em Adélia Prado, a fala não é reportada: comparece concreta/ faz parte da vida. O mundo, que a linguagem evoca, não é refletido: existe como a própria linguagem. Enfim, flor não é a palavra "flor". O que dessa obra poética ressuma é um verdadeiro horror à abstração. (Octávio Paz, conhecendo, aprovaria.) Por esse caminho, ocorre um novo reencontro, agora filosófico, com os contemporâneos  ao menos no nível da pretensão destes últimos: pois a abstração é justamente a ferramenta do universo "tecno-ilógico" que recusa a poesia, e que a poesia recusa. 
As pistas, fornecidas pela obra, de sua ascendência literária, são escassas: tudo milagre de São Francisco de Assis? Pesquisemos outra resposta, que satisfaça os incréus. Há uma notável presença de Drummond como alterego: à apresentação da perplexidade existencial ("E agora, José?") corresponde a aceitação da pedra ("Agora, ó José"). Enfim "A vida é mais tempo/alegre do que triste. Melhor é ser." Onde a origem dessa atitude fora das duas escrituras fundamentais (a Bíblia e o Grande Sertão)? Uma solução apresenta-se oblíqua na "Reza para as quatro almas de Fernando Pessoa": ao que tudo indica, a alma preferida é a de Alberto Caeiro, sua voz pânica e pagã. A voz de Adélia é só pânica. (Pagã o é, ao seu modo de ser religiosa.) Ainfluência de Guimarães Rosa é episódica, mas as epígrafes, o acervo imagético, a incansável intenção pagam tributo às Escrituras Sagradas. Na verdade "o que eu conheço de Deus é Sua Ira": a materialização desse conhecimento muito se aproxima do dolce stil nuovo de São Francisco. Vale notar que, na imitação do Cântico das criaturas, a recomendação ao livro de que louve a Deus (epígrafe inicial) se faz, não ao livro-meu-filho, mas ao livro-meu-irmão: produto do Espírito de Deus, "movendo o que lhe apraz", através da moça-poeta. Mais uma vez eludida a fratura sujeito-objeto na perspectiva da dissolução mística. 
Não há dúvida de que a poesia de Adélia Prado é surpreendente: aceitando o desígnio  literalmente marginal  de exprimir o mundo, a relação deste com a linguagem não ocorre como representação. Desde que o poema (obra humana) não difere essencialmente do mundo (obra divina) porque a voz do poeta é Deus quem a dá, a poesia pode transitar para a vida e vice-versa. Recupera-se, do ponto de vista da poesia do Ocidente, uma virtualidade de recíproca interferência que é resolvida materialmente: no plano da linguagem. Da consubstanciação mundo-poesia, deriva a extirpação do mínimo teor conceitual (esperável desde que o poema não se passa nos domínios imaculados da linguagem). Tal postura, surpreendente com respeito à compreensão da poesia, engendra uma forma maravilhosa e forte, dotada de incrível unidade estrutural. O livro Bagagem não é um conjunto de poemas, mas a construção de um universo referencial e referenciável. 
Diante do que, o discurso crítico recolhe envergonhadamente todas as abstrações, rotulações e esquemas de que lançou mão  por dever de ofício  e encaminha ao deslumbramento do leitor o domínio emque frescor e lucidez ainda não se separam.
Margarida Salomão