terça-feira, 17 de junho de 2014

Depoimento (Poesia Sempre)

Boa noite leitores! Trago desta vez o depoimento que Adélia deu à Revista Poesia Sempre (1997). Ele é breve, bonito e cativante, assim como toda a sua poesia. Fiquem à vontade para comentar! Até a próxima!


Minha poesia

Uma das mais remotas experiências poéticas que me ocorre é a de uma composição escolar no 3º ano primário, que eu terminava assim: "Olhai os lírios do campo. Nem Salomão, com toda a sua glória, se vestiu como um deles..." A professora tinha lido este evangelho na hora do catecismo e fiquei atingida na minha alma pela sua beleza. Na primeira oportunidade aproveitei a sentença na composição que foi muito aplaudida, para minha felicidade suplementar. Repetia em casa composições, poesias, era escolhida para recitá-las nos auditórios, coisa que durou até me formar professora primária. tinha bons ouvintes em casa. Aplaudiam a filha que tinha "muito jeito para essas coisas". Na adolescência fiz muitos sonetos à Augusto dos Anjos, dando um tom missionário, moralista, com plena aceitação do furor católico que me rodeava. A palavra era poderosa, podia fazer com ela o que eu quisesse. Poderosa, maravilhosa, encantatória. Sua beleza apenas comprava-me e aos meus ouvintes. Moça feita, li Drummond a primeira vez em prosa. Muitos anos mais tarde, Guimarães Rosa, Clarice. Esta é a minha turma, pensei. Gostam do que eu gosto. Minha felicidade foi imensa. Continuava a escrever, mas infadara-me do meu próprio tom, haurido de fontes que não a minha. Até que um dia, propriamente após a morte do meu pai, começo a escrever torrencialmente e percebo uma fala minha, diversa da dos autores que amava. É isto, eu disse, é a minha fala. Bagagem, meu primeiro livro, foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento. Descobri ainda que a experiência poética é sempre religiosa, quer nasça do impacto da leitura de um texto sagrado, de um olhar amoroso sobre você, ou de olhar formigas trabalhando. O transe poético é o experimento de uma realidade anterior a você. Ela te observa e te ama. Isto é sagrado. É Deus. É seu próprio olhar pondo nas coisas uma claridade inefável. Tentar dizê-la é labor do poeta. 
Adélia Prado

sábado, 14 de junho de 2014

A Máscara e o Véu, de Laéria Fontenele


Olá, pessoal! Aqui estou novamente com mais uma dica para aqueles que se deleitam com a poesia adeliana. Sou daqueles que preferem ler Adélia por deleite e fruição, mas confesso, tenho certo gosto pela pesquisa, talvez seja influência dos tempos da faculdade. Desta vez, trago para vocês um excelente livro sobre o discurso adeliano. Se chama A Máscara e o Véu: o discurso feminino e a escritura de Adélia Prado (2002), escrito pela professora Laéria Fontenele. Aproveitem o máximo, só não deixem de ler a Adélia no original. Até a próxima!

INTRODUÇÃO 
A eleição de um objeto a que se pretende dar um tratamento analítico obedece, provavelmente, a um ponto de mutismo que, dificilmente, pode ser determinado com precisão, – sem, com isso, mobilizar os fantasmas da ciência e seus consequentes núcleos, que, por atualizarem o enigma das origens, requerem o tratamento simbólico. Por isso, traçam-se, nesta introdução, apenas os momentos em que se ornaram explicitas as razões pelas quais o objeto desta investigação tornou-se inteligível e digno de um percurso. 
As obras literárias, (assim como as científicas e culturais) raramente, impõem-se ao leitor por si mesmas. Em geral, inauguram-se a partir dos discursos que mobilizam em torno de si: "La critica desdobla los sentidos, hace flotar un segundo lenguaje por encima del primer lenguaje de la obra, es decir, una coherencia de signos (Barthes, 1996: 66) 
O crítico - figura que, em suas origens, segundo Foucault, (2000: 156) seria o agente da crítica enquanto "uma instituição judicativa, hierarquizante, mediadora entre uma linguagem criadora, um autor criador e um publico de simples consumidores" - exerce a função social de oferecer ao leitor uma pré-leitura da obra, como se esta somente fosse acessível àquele a partir dessa mediação. Em nosso tempo, ainda de acordo com Foucault, o crítico faz de seu trabalho não o produto de seu gosto e de sua intenção judicativa; escolhe, ao invés disso, a priori, um método de análise, através do qual estabelece uma rede discursiva, pretensamente objetiva e que gera a "multiplicação dos atos críticos" (p. 155) 
Assim, a obra se distancia, também, do crítico, pois tal procedimento funda um novo mediador entre ela e o analista: a teoria pela qual, agora, ela, a obra, a ele pode ter acessibilidade. De qualquer forma, o leitor continua chegando a obra pelo processo mediador da critica, - embora, segundo essa ordem, trate-se de uma dupla mediação. Esclarece-se, com isso, que a escritura de Adélia Prado, a princípio, aportou nesta leitura a partir de sua dependência a essa rede de discursividades. 
Nisso, uma serie de juízos, já construídos pela receptividade da crítica à sua obra foi imposta a esta análise, antes mesmo de se ter acesso à sua letra: Adélia, a escritora mineira, a dama de Divinópolis, mulher madura que lança seu primeiro livro aos 41 anos; poetisa do cotidiano feminino; a voz mais feminina da poesia brasileira contemporânea; escritora que imprime, em sua obra, a sua experiencia de mulher; a apadrinhada de Carlos Drummond de Andrade; a escritora que se impôs sem jamais haver se radicado nas metrópoles culturais... (Enumerar-se-ia, ainda, uma gama de outros predicados a ela atribuídos, e que circulam socialmente, oferecendo ao leitor a opção de tomá-la, num primeiro momento, a partir de um deles, de todos ou, ainda, de sua síntese.) 
Depois, a aproximação de sua escrita e a materialidade de sua letra provocaram indagações sobre a possibilidade desses diversos rótulos estarem ou não legitimados por sua escritura; o que, per certo, obedeceu a um processo de delimitação, segundo a qual foi possível a explicitação do objectivo deste estudo. Constatou-se a necessidade prévia da indagação acerca dos modos constitutivos do surgimento de um tipo de discurso analítico que elegeu o problema do "feminino" na literatura como o seu objeto, bem como a sua potencia em gerar toda uma rede discursiva sobre o assunto. 
A partir de tal procedimento, fez-se imperiosa a pergunta sobre a especificidade das marcas literárias desse modo de escrita e, também, como Adélia Prado delas se serve. Visou-se, com isso, a compreensão da associação de sua escrita ao "'feminino" na literatura. 
Este estudo abordará as razões pelas quais a escritura de Adélia Prado transcende tal classificação. Serão traçadas, portanto, as condições por que Adélia Prado constrói o seu crono-topo, considerando-se a especificidade como o sujeito lírico e/ ou ficcional se desloca no espaço e como estabelece a relação com a extensão temporal. Cuidará, assim, da construção da singularidade poética de Adélia Prado, enquanto produtora de um estilo que a insere no campo literário como função de autoria: ou seja, reveladora de aspectos originais, que podem ser associados ao seu nome e diferenciá-la de outros autores, no sentido de trabalhar, de forma específica, as regras do literário do campo em que se encontra inserida. 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Sertão Cósmico

Não vou fazer comentários nesta postagem. Deixo com vocês as palavras daquele que enxergou, logo de início, a "força irracional" e "aliciadora" da Poesia de Adélia Prado. Com vocês Affonso Romano de Sant'Anna:


quinta-feira, 5 de junho de 2014

O escritor por ele mesmo - Adélia Prado


Como vão, leitores?! Desta vez trago a vocês uma raridade! Alguns poemas do K7 O escritor por ele mesmo (1999), produzido pelo Instituto Moreira Salles! Os acostumados a ouvir a Adélia talvez estranhem um pouco, mas logo logo vão reconhecendo a sua voz inconfundível! Pelo que pesquisei, os poemas foram gravados apenas nesse formato e creio que muitos leitores não tiveram a oportunidade de ouvi-los ainda. Selecionei apenas dois e disponibilizo aqui à vocês! Quem tiver mais informações a respeito, deixe recado! E até a próxima postagem!




domingo, 1 de junho de 2014

O Tom de Adélia Prado



Como vão leitores?! Trago a vocês, dessa vez, o encarte do CD O Tom de Adélia (2000). Nele vocês vão encontrar os poemas do livro Oráculos de Maio. Quem ainda não teve a oportunidade de ouvir a própria Adélia lendo seus  poemas, não sabe o que está perdendo. Sua experiência com o teatro parece ter influenciado muito a maneira como ela prepara os textos a serem recitados. De dar inveja no Bandeira e no Drummond! Deixo com vocês o meu poema preferido: Neopelicano. Ah! E quem quiser contribuir com curiosidades, fique à vontade! Um grande abraço e até a próxima!

NEOPELICANO

Um dia,
como vira um navio
pra nunca mais esquecê-lo,
vi um leão de perto.
Repousava,
a anima bruta indivídua.
O cheiro forte, não doce,
cheiro de sangue a vinagre.
Exultava, pois não tinha palavras
e não tê-las prolongava-me o gozo:
é um leão!
Só um deus é assim, pensei.
Sobrepunha-se a ele
um outro e novo animal
radiando na aura
de sua cor maturada.
Tem piedade de mim, rezei-lhe
premida de gratidão
por ser de novo pequena.
Durou um minuto a sobre-humana fé.
Falo com tremor:
eu não vi o leão,
eu vi o Senhor!

(“Neopelicano”, Oráculos de Maio, p. 135)